“O Rinoceronte” de Eugene Ionesco (1909 – 1991), em montagem atualíssima da AGRUPAÇÃO TEATRAL AMACACA (Insta: @agrupacaoteatralamacaca), foi apresentada ao público goianiense na noite de Sábado (19/11) no FUGA em Centro Cultural UFG @centroculturalufg, em montagem dirigida pelo lendário Hugo Rodas.
Digo sem medo nem exagero: para muitos de nós presentes ao teatro nesta noite ímpar, esta foi uma das melhores experiências teatrais e vivências estéticas que já coube em nossas vidas. Até pela relevância e pertinência política do que nos foi mostrado. O Teatro do Absurdo, aqui reavivado com rara verve, é tragicômico e ao mesmo tempo angustiante. É uma comédia que arranca gargalhadas, mas deixa também na boca que a sorve um travo amargo. Uma obra coletiva magistralmente encenada que provoca repercussões fortes em nossos peitos e mentes através do “flagra” que faz do contágio do fascismo… Uma “rinocerite”, doença epidêmica e Kafkiana, faz os humanos se metamorfosearem em pesados paquidermes quadrúpedes…
A peça acaba expressando uma cáustica crítica ao processo de bestialização, de devir besta-fera, de vários humanos, figurados em cena em todo o seu ridículo, em todo seu risco de regresso à barbárie… Peça cheia de uma graça cáustica, é genial nas interpretações, na musicalidade, na rítmica corporal e verbal dos atores em interação, muitíssimo bem ensaiados e com um esplendido trabalho de voz… magníficas também as interpretações de músicas francesas e o método de “congelamento de gestos” que trazem toda uma plasticidade inédita aos tais gestos encarnados, significativos, às vezes cômicos, às vezes amargos como as arminhas com a mão dos bestializados acólitos do Mito Salnorabo…
Eis um espetáculo muito expressivo da boçal “bolsonarização” do Brasil em que estamos ainda metidos, mas que revela também a louca resistência de anormais que seguem recusando-se a seguir a manada… uma peça riquíssima em contradições e ambiguidades, este Rinoceronte é emblema de uma transformação de massa do humano em fera, dos bípedes em quadrúpedes, de seres que se auto-celebram (às vezes) como racionais mas que parecem ansiosos para reverter à irracionalidade jubilosa das bestas-feras…
Um rinoceronte na sala: Entrevista com Hugo Rodas
Aos 82 anos de idade, o diretor de teatro Hugo Rodas aborda, nesta entrevista, a interferência das individualidades na criação coletiva e as dificuldades inerentes ao trabalho com uma companhia como a Agrupação Teatral Amacaca (ATA) – numerosa a ponto de conceber grupos menores em seu interior. Revolve memórias buscando esclarecer intencionalidades envolvidas na primeira montagem de O rinoceronte, à frente do Teatro Universitário Candango (Tucan), em 2003, bem como na releitura apresentada pela ATA, em 2019-2020, cujo processo composicional ancorou-se na dissecação da gravação em vídeo da primeira versão. Sobre o projeto de filmar O rinoceronte, já duas vezes adiado por contingências da pan- demia de Covid-19, Rodas debate o uso (ou não) de efeitos visuais e das cabeças de rinoceronte que Ionesco previu nas didascálias da peça, enquanto faz uma importante distinção entre teatro filmado como mero registro, daquele que persegue um olhar mais cinematográfico.
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Publicado em: 24/11/22
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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